Um bom vinho, uma madrugada, uma
boa música e poesia. O que mais querer? (Pausa. Suspiro. Pensamento. Saudade).
Tenho a impressão de escutar um barulho. Será o amor chegando a minha casa?
Não. Era só o barulho do vento lá fora. Aqui dentro, só há o silêncio. Um
tórrido silêncio nessa casa vazia. Nessa altura da noite minha respiração
parece ecoar com mais intensidade. Meus pensamentos, como sempre, divagam sem
controle. E nada, nem o vinho, nem a música, nem a poesia parecem preencher o
vazio que mora dentro de mim.
Outra música, mais vinho na taça.
Agora ouço um bolero, enquanto relembro minha história. Gosto de manter para
mim algumas coisas. Penso que livrar-se de pesos não quer dizer exterminá-los
das fotografias. Impossível. Livrar-se de pesos é enterrar aquilo que pesa
sobre os ombros. As fotografias ficam, só que sem pesos. E assim,
elas permanecem: cada foto em um quadro formando um amontoado de objetos sem muita utilidade, mas que vira e mexe resolvo dar uma olhada para relembrar... Lembranças!
Agora que tirei essas fotografias das paredes da sala principal de minha vida, passam a ocupar o quarto
menor de meu inconsciente.
Não me desfaço delas. Não
há como exterminar as lembranças. Há apenas como lidar melhor com tudo. E isso
eu tenho aprendido à duras penas. Mas, como disse, prefiro manter cada
fotografia. Sei que elas me recordam o que eu era. O que eu fui. O que eu passei.
Fotografias me mostram o quanto evoluí nesse tempo. E como um bom vinho, como
esse que agora bebo, fiquei melhor a cada dia passado. Eu não me desfaço dessas
fotografias, pois elas me lembram quem sou! E permanecem guardadas, sem pó,
encobertas com um lenço claro impermeável.
Outra boa música, mais vinho e
mais poesia. O que mais querer? (Pausa. Suspiro. Uma fotografia. Saudade). Agora, me olho nesse espelho antigo. O mesmo que meus ancestrais olhavam. Olho profundamente dentro de meus olhos e contemplo esse fidalgo da poesia, da intensidade.
Filho das horas de profunda angústia e espera, fortalecido pelos ventos da
destruição que não foram capazes de arrastá-lo. Vencedor dos ataques da vida e das pessoas. Eu me olho com um novo olhar. Olho pra dentro. Reconheço-me. Valorizo-me. Cansei de brigar com esse cara. Agora tentarei manter com ele uma convivência profundamente amistosa, amando esse nobre rapaz vencedor da guerra do autoconhecimento.